sábado, 13 de agosto de 2011

Os Patos preferem a escola

O TEMPO em que os animais falavam, os bichos constataram que o meio em que viviam começava a tornar-se cada vez mais complexo e havia que impor novas hierarquias, estabelecer novos parâmetros de comportamento, uma vez que já não chegavam os seus instintos inatos para enfrentar as modificações do meio. Esta necessidade deu lugar à ideia de ESCOLA: uma estrutura social, que os habilitaria, A TODOS, para enfrentar as crescentes modificações a que assistiam. Foram escolhidos os melhores animais para a docência, isto é, os reconhecidos como mais experientes, alta profissionalização nos seus domínios específicos, grandes títulos em competições. O reconhecimento destas qualificações envaideceu-os, naturalmente, e a maioria esqueceu, desde logo a razão por que estava ali. Com muitas reuniões gerais de professores, muitas reuniões de grupo, reuniões de conselho pedagógico, de departamento, de secções, reuniões de conselho executivo, etc… escolheram o seguinte currículo: Nadar, Correr, Voar, Galpar montes e saltar obstáculos.
Os primeiros alunos foram o Cisne, o Pato, o Coelho e o Gato.
Começadas as aulas, cada professor, altamente preocupado com a sua disciplina, preparava primorosamente a matéria, dava sem perder tempo, procurando cumprir o programa e a planificação do mesmo. Faziam, assim jus aos seus títulos e competências. Mas os alunos iam-se desencantando com a tão sonhada escola. Vejam o caso particular de cada aluno:
- O Cisne, nas aulas de correr, voar e galpar montes era um péssimo aluno. E mesmo quando se esforçava, ao ponto de ficar com as patas ensanguentadas das corridas e calos nas asas, adquiridos na ânsia de voar, tinha notas más. O pior era que, com o esforço e desgaste psicológico despendido nessas disciplinas, estava a enfraquecer na natação, em que era o máximo.
- O Coelho, por sua vez padecia nas matérias de nadar e voar. Como poderia voar se não tinha asas? Em se tratando de nadar, a coisa também não era fácil não tinha nascido para aquilo. Em contrapartida, ninguém melhor do que ele, corria e galpava montes.
- O Gato tinha problemas idênticos ao do coelho, nas disciplinas de natação e voo. Ele bem insistia com o professor que, se o deixasse voar de cima para baixo, ainda poderia ter êxito. Só que o professor não aceitava essa ideia louca: não estava contemplada no programa aprovado e o critério de selecção era igual para todos.
- O pato, finalmente, voava um pouquinho, corria mais ou menos, nadava bem mas muito pior do que o cisne, e desastradamente, embora com algum desembaraço, até conseguia subir montes e saltar obstáculos. Não tinha reprovações a nenhuma disciplina, como os seus restantes colegas o que fazia sumamente brilhante nas pautas finais. Os professores consideraram-no o aluno mais equilibrado, deram-lhe a possibilidade de prosseguir estudos e, com tantos “atributos”, até fomentaram nele a esperança de um dia, poder vir a ser professor.
Os restantes alunos estavam inconformados. Nada tinham contra o pato, gostavam dele, compreendiam o seu grau mínimo de suficiência a todas as disciplinas, mas, perguntavam-se: a espantosa capacidade do Coelho em saltar obstáculos, correr e galpar montes não poderia ser aproveitada para enfrentar as tais novas situações sociais, que os levaram a ter a ideia de ESCOLA? E o Gato? De nada lhe serviria correr e saltar melhor do que o pato? E que utilidade teria, para o cisne, nadar como nenhum outro? –Cada um tinha, de facto, a sua queixa justificada. Escola, pensavam eles era o local onde aperfeiçoariam as capacidades que tinham, de modo a po-las ao serviço da sociedade. Se as coisas já estavam difíceis, que fazer agora com a tremenda frustração de não servirem para nada? Foram falar com os professores. As limitações de cada um eram um facto, eles sabiam que jamais seriam polivalentes, de modo a terem grandes escolhas. Contudo, se reprovassem no ano seguinte estariam exactamente na mesma situação.
Os professores lamentaram muito. Havia um programa, superiormente estabelecido e a questão era só esta: Ninguém tinha média igual ao do pato e, por isso, na sua mediocridade, ele era, estatisticamente superior a todos.
Os outros alunos abandonaram a escola. Desde então, por razões obvias, a escola atrai mais os patos e, na sociedade são eles que dominam.

Orientadoras da Escola Secundária Dona Luísa da Gusmão

Este texto faz uma analogia entre os animais e os alunos.
A escola, os professores/educadores e os currículos não podem ser agentes de exclusão.
Pelo contrário, a postura deve ser de partilha, flexibilização e adaptação dos currículos aos alunos.

2 comentários:

  1. O texto acima assinado faz alusão a uma educação para todos, a uma gestão flexível do currículo.Fala-nos de um currículo hegemónico, um currículo para todos, quando hoje o conceito é bem diferente,pois contempla as características individuais de cada aluno.

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  2. Mel Ainscow: -"Inclusão é a transformação do sistema educacional, de forma a encontrar meios de alcançar níveis que não estavam a ser contemplados.
    Eu compreendo a inclusão como um processo em três níveis: o primeiro é a presença, o que significa estar na escola. Mas não é suficiente o aluno estar na escola, ele precisa de participar. O segundo é, portanto, a participação, o aluno pode estar presente, mas não necessariamente participando. É preciso, então, dar condições para que o aluno realmente participe das actividades escolares. O terceiro é a aquisição de conhecimentos. O aluno pode estar presente na escola, participando e não estar aprendendo. Portanto, inclusão significa o aluno estar na escola, participando, aprendendo e desenvolvendo as suas potencialidades."

    Não podia estar mais de acordo com Ainscow, visto que ele defende que os alunos devem estar na escola para aprender e assim sentirem-se incluídos.
    Tivemos contacto com este texto no Complemento de Formação e senti vontade de o comentar!.. Chegou a hora de, nos nossos Projectos Curriculares de Turma efectivamente pensarmos em currículos adequados às nossas crianças. O lema "a escola para todos"é bonito mas teremos que pensar em cada um em particular! Se assim não for correremos o risco de a próxima geração "dar um jeitinho" em tudo e não ser especializada em nada!Beijinhos

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